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Os verdadeiros sentimentos

Hoje tive acesso a uma imensa torrente de sentimentos novos. E no meio de tanta coisa sublime, bela e pura, pensei no meu dia a dia. E, confesso, que tive muita vergonha das coisas que senti e que acabavam me entristecendo. Estamos presos a um círculo vicioso de ilusão de ganho e perda, de regojizo e desdém que nos deixa simplesmente cegos para a percepção das coisas mais simples.

Percebi que as perdas imensas que tive este ano, na verdade, foram ganhos. As pessoas que se foram, se foram porque era hora de ir, porque o adeus não é sinônimo de derrota, mas, sim, de um delicado equilíbrio que nem sempre é possível de ser compreendido na hora. Às vezes, perder é ganhar.

Percebi que há ainda algumas pessoas que eu não sei o que estão exatamente fazendo na minha vida. E eu percebi que não posso determinar quem fica e quem vai, eu simplesmente não tenho esse poder, mesmo em se tratando de minha vida. Eu percebi que -- nunca em toda a minha vida -- eu tenho escutado "não" de determinadas pessoas. E eu percebi que a vida -- pulsante, rica, pura, viva -- me diz "sim" o tempo todo! Me agracia o tempo todo com dádivas, algumas imperceptíveis, outras gigantes... me dizendo sim, sim, sim, o tempo todo! E aí, queridos leitores, eu me pergunto: a quem devo ouvir? Aos nãos dos seres humanos ou ao sim da vida?

A escolha parece fácil e óbvia, mas já caí nessa cilada várias vezes. Não há escolha a ser feita, nesse caso. Porque eu hoje eu percebi que -- de fato -- as coisas apenas acontecem com quem está preparado para vivê-las. E, se eu vivi tudo o que eu vivi este ano (e, de certa forma, ainda estou vivendo) é porque sou capaz de enfrentar cada um desses desafios com maturidade, transparência, coragem, esperança, sabedoria.

Pois não é fácil viver... não é facil encarar o caos diário. E é mais difícil ainda se estivermos acompanhados de solidão, desconfiança e tristeza. No entanto, HOJE eu descobri que por mais que esteja fisicamente sós, nunca estamos solitários de verdade.  E aquelas pessoas que mais te dizem "não" são as que mais esperam aceitação. Dizer "não" para outrem é uma forma de suposto poder e controle de si mesmas que estão longe de ter.

E a vida que apenas diz "sim" para mim... eu apenas a abraço sem medo nenhum de aceitar o que tiver por vir. Quero viver! Quero aprender! Não quero NUNCA ter medo de ser quem eu sou. Não quero NUNCA me arrepender das coisas que fiz porque acreditei que eram as coisas que deveriam ser feitas naquele momento. Não quero NUNCA ter medo de tentar. Não quero NUNCA dizer que nunca tentei. Eu digo sim para a vida que me diz sim o tempo todo!

A mulher do metrô

Metrô é um dos cenários caóticos para quem anda de condução em São Paulo. Isso todo mundo já sabe. Mas, o que as pessoas às vezes não percebem, é que é possível criar poesia mesmo em meio ao contexto mais inimaginável. Pois é.

Metrô Barra Funda, quase oito horas da manhã. Enquanto esperava o próximo trem chegar, reparei numa oriental (que obviamente não sei dizer se era japa, chinesa ou coreana...). Muito bonita, muito atípica... que chamou a minha atenção. Ela era linda e eu simplesmente não conseguia parar de olhar para ela.

Ela, por sua vez, tinha um olhar distraído. Fiquei imaginando no que ela estaria pensando. Mas a sua beleza, que não sei porquê, era a única coisa que sobressaía... E isso porque nem acho as orientais bonitas. E ela também não é o meu modelo de beleza feminina. Mas, ali, ela me encantou.

Todos entraram, ela ficou mais perto da porta e eu fiquei num local estratégico em que poderia observá-la, sem ela perceber. Trocamos um breve olhar. Eu continuei a observando e ela continuou distraída. Ela realmente era muito bonita, imaginei que fosse mestiça, pela "constituição física"... e eu não conseguia parar de olhar para ela.

Um pouco antes de chegar na estação Anhangabaú, eu sentei. Fiquei com a visão mais privilegiada ainda e continuei observando-a. Ela desceu. E eu não parei de observá-la sair, colocar a blusa (ela estava apenas com uma camisetinha, mesmo no frio...) e subir as escadas rolantes. O metrô fecha as portas e parte. E ela, da escada rolante, olhar para a minha direção. Para mim? Não sei... mas esse último olhar trocado e essa suposta cumplicidade me deixaram sorrindo até a estação seguinte, onde desci.

Tenho algumas historinhas assim, retiradas desse cotidiano caótico que é viver em São Paulo. Esta será uma daquelas que eu nunca mais esquecerei...

LAS ACACIAS - o filme

Dentre todos os cinco filmes que vi na Mostra Internacional de Cinema, elejo Las Acacias como o que mais mexeu comigo. É o típico filme de Mostra: simples mas com uma intensidade que, desculpa, só alcança poucos. Porque, sim, a maioria vai ao cinema para contabilizar quantos filmes viu e não sentir e refletir sobre o que viu. Ao final, você apenas ouve comentários do tipo: "bonitinho, a menina é uma gracinha. Este foi o vigésimo filme que eu vi!". Pfff.

Las Acacias é outra pérola do profícuo cinema argentino. Trata-se de um road movie sem as lantejoulas a que estamos acostumados. Mostra personagens secos, cortados, tolhidos -- como as acácias mostradas logo no início do filme.

Mas se as acácias são as árvores cortadas (que podem voltar a brotar) e os personagens são as acácias, veremos que mesmo depois de vinte minutos de filme quase sem diálogo (mas nem por isso menos intenso e cheio de mensagens), o que os personagens ali mais querem é um contato mútuo, é relacionar-se, é compartilhar.

O personagem de Rúben me pegou fundo porque ele me parece o mais real protótipo de um ser humano que sofreu, perdeu e arriscou tanto que simplesmente preferiu se fechar em seu mundo vazio, silencioso e egoísta. Jacinta também é outa mulher sem sonhos apenas com a dura realidade de manter sua filhinha viva. E a filhinha, Anahí, é o elo inimaginável que une esses dois desertos. Secos e sedentos.

Não preciso dizer o quanto chorei e o quanto foi catártico para mim, diante da fase que estava vivendo. A relação entre os dois é intensa: sem palavras, sem contato físico, sem olhar. Não é tensão sexual ou romântica, é a vontade de sentir a vida outra vez, como ela foi um dia. Eles sabem (e não sabem) que precisam voltar a viver e eles sabem que, ironicamente, a aridez comum entre seus sentimentos é que os trará de volta ao sorriso.

Um filme lindo, perfeito, mágico, simples e cheio de doçura. Vou caçar para comprar. Se voltar a reprisar ou se estrear, por favor, não percam... é uma obra de arte em homenagem à esperança e à vida!

CALVET, o filme: a intensidade e a loucura

Sina de escritor é essa: a ideia surgir em muitos momentos, naquelas horas inapropriadas, quando não há o alcance de nenhuma caneta ou um pedaço de um verso de um papel qualquer. Guardar o pensamento na memória e torcer para que ela cresça o suficiente para virar um verso, um capítulo qualquer.

Eu vi Calvet - documentário sobre o artista plástico Jean-Marc Calvet -, semana passada, na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. E pensei numa das frases que ele mais repete: "vomitar tudo para fora". Ele é intenso e maluco num nível tão assustadoramente genuíno, real que não tinha como pensar nele como alguém parecido comigo.

Porque quando vc se dá conta da própria intensidade, seja ela dita por alguém seja ela descoberta por si própria, vc não tem muitas opções. Vc pode ser inconsequente ou tentar tirar proveito disso. Certamente Calvet foi inconsequente antes de tirar proveito e é isso (mais ou menos) do que o documentário trata.

Vivemos numa sociedade horrorosamente opressora!!! Vivemos numa sociedade que diz o que precisamos ser, o que precisamos dizer, o que precisamos fazer. As regras que determinam o que é correto e o que é esperado. Quando não correspondemos a essa imensa expectativa silenciosa, é praticamente impossível não pirar.

O que mais me tocou no documentário sobre Calvet é a sua coragem inversa em mergulhar fundo, fundo, fundo e apenas mais fundo nos seus próprios tormentos. É alguém que não tem medo de descobrir o que há por trás dos fantasmas (reais e ilusórios) de seu medo. É a coragem (aquilo que mais admiro) de não pensar no que o outro vai pensar, mas fazer aquilo que acredita que precisa ser feito. Calvet é uma alma perturbada e, ainda assim, corajosa e livre.

Seus quadros são retrato de sua intensidade de sentimentos. Sua voz: rápida, agitada e articulada. Sua sinceridade: rasgante, honesta, dolorosa e verdadeira. Como não tinha lido a sinopse direito antes de ver o filme (como sempre digo, faça isso às vezes e vc se surpreenderá!), não sabia ao certo o que me esperava. Achei que fosse ficção... a vida pode ATÉ parecer ficção em muitas vezes. Mas não é. Se o filme repassar na repescagem, veja! Indicadíssimo.